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Estefani Panaino, Gabriel Caldeira e Matheus Menezes
29 de novembro de 2020

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É pelas mídias que as igrejas

estruturam sua teologia, a sua 

prática, a sua doutrina.

 - Magali Cunha

Pensadas como verdadeiras corporações cristãs, as grandes denominações neopentecostais são estruturadas desde o seu surgimento imitando o modelo empresarial, com ampla hierarquia e poder decisório dos seus líderes. Por trás dessa estratégia, está o objetivo de crescer numérica e financeiramente, segundo a jornalista e pesquisadora da religião evangélica Magali Cunha.

“Há toda uma estratégia de empresa. Como se fosse o franchising, a igreja como marca, e grupos ou pessoas que querem ter a sua igreja com aquela marca compram esse direito”, descreve Cunha, se referindo ao modelo de expansão regional adotado por boa parte dessas denominações, incluindo a Igreja Universal do Reino de Deus. Essa estratégia é a mesma utilizada por multinacionais do setor de serviços, por exemplo.

 

Reforçando esse conceito, o doutor em Comunicação Alexandre Bandeira pontua que as grandes denominações não são igrejas comunitárias, e sim propriedades particulares. A Universal, por exemplo, controla emissoras de rádio e televisão, jornais de grande circulação, editoras por todo o país, além de possuir uma extensa mobilização na internet. Ela foi precursora desse movimento no Brasil, ao construir uma convergência midiática que fosse direcionada para o mundo do consumo, explica o pesquisador.

 

O próprio bispo Edir Macedo e seu cunhado Romildo Ribeiro Soares - conhecido hoje como missionário R. R. Soares - se converteram ao Evangelho por conta de um programa do pastor canadense Robert McAlister, veiculado na Rádio Copacabana em meados dos anos 1960. Na época, os dois frequentaram a igreja pentecostal Nova Vida, fundada por McAlister. Inspirados pelos trabalhos de evangelistas midiáticos, eles decidiram fundar uma igreja própria na década seguinte.

Em 1977, Macedo, Soares e outros dissidentes da Nova Vida fundaram a Igreja Universal. O primeiro prédio funcionava na Avenida Suburbana, Zona Norte do Rio de Janeiro, em um galpão que antes abrigava uma funerária. Meses depois, se mudaram para um espaço maior na mesma rua, que deu origem ao primeiro templo.

 

Assim que foi fundada, a Universal passou a alugar horários na Rádio Metropolitana, pois Macedo e Soares perceberam que para expandir o alcance precisavam de um espaço midiático consolidado. Em 1978, eles já estavam fazendo suas primeiras aparições televisivas com o programa "O despertar da Fé", exibido pela extinta TV Tupi.

 

O uso extensivo da mídia por parte dessas grandes denominações serve para reforçar ideais e influenciar na esfera pública, explica a jornalista Cunha. Ela afirma que essas igrejas neopentecostais já nascem midiatizadas. “É a razão de ser da sua própria existência. É pelas mídias que elas estruturam sua teologia, a sua prática, a sua doutrina”, diz.

AS PROPRIEDADES

DAS GRANDES FIGURAS NEOPENTECOSTAIS

Assim como Macedo, diversos fiéis também se aproximaram da religião a partir de programas com temática gospel. Gerlany Vitória, 20, teve o interesse despertado pela Universal por meio das programações religiosas da Record TV. Já André Betini, 44, ex-fiel da Sara Nossa Terra, diz ter sido inspirado a buscar a religião evangélica depois de assistir na emissora o filme Jesus (1979).

 

A Record TV foi adquirida por Edir Macedo em 1989. Naquela época, o canal passava por dificuldades financeiras e estava praticamente falido. Depois de reformulações na programação, a emissora superou a crise na década de 1990 e se estabeleceu como o caso de maior sucesso entre propriedades midiáticas de denominações neopentecostais. Além disso, passou a figurar entre as líderes de audiência televisiva no Brasil, frequentemente atrás apenas da TV Globo.

 

O sucesso da Record TV e de sua programação gospel inspirou outras lideranças neopentecostais a criarem seus próprios programas e a alugarem espaço nos canais da televisão aberta. O pastor Silas Malafaia, com o seu programa Vitória em Cristo, homônimo à sua igreja, virou figura cativa na TV brasileira. O Show da Fé de R. R. Soares e a emissora Rede Mundial, do apóstolo Valdemiro Santiago, também passaram a aproveitar o principal meio de comunicação em massa no Brasil.

Rivalidade religiosa

Na origem da Universal, R. R. Soares era quem liderava a igreja, mas Edir Macedo assumiu o protagonismo por conta da sua crescente popularidade entre os fiéis. A parceria se manteve até 1980, quando Soares rompeu com a Universal e criou a sua própria denominação: a Igreja Internacional da Graça de Deus.

 

A partir dessa cisão, a Universal e a Graça de Deus passaram a disputar por espaço na mídia e também na evangelização de fiéis. Enquanto Macedo investiu na compra da Record TV e de diversas rádios, o missionário Soares fundou a Rede Internacional de Televisão (RIT) em 1999, com programação jornalística, de entretenimento e religiosa, além de uma produtora e distribuidora de filmes, gravadora e emissora de rádio.

 

Outra grande força midiática do neopentecostalismo é a Igreja Mundial do Poder de Deus, do apóstolo Valdemiro Santiago. Sua igreja também é fruto de uma cisão com dirigentes da Universal, onde pregou por dezoito anos. Ele se desligou em 1997 e no ano seguinte fundou a Mundial. A denominação controla a Rede Mundial, emissora de TV no ar desde 2006.

 

O doutor em Comunicação Alexandre Bandeira estuda esses televangelistas que constroem suas personalidades em frente às câmeras. Para o pesquisador, esses líderes se assemelham a animadores de auditório. Ele analisa o comportamento de R. R. Soares como mais polido, com tom de voz ameno, cabelo e maquiagem caprichados e desenvoltura com as câmeras. Já Valdemiro é mais caloroso e tem liberdade para xingar, chorar e abraçar os fiéis nas suas pregações. Por fim, compara Edir Macedo a um líder messiânico, já que o bispo resgata várias simbologias bíblicas e incorpora esses traços inclusive no cenário, a exemplo das tábuas dos Dez Mandamentos no púlpito do Templo de Salomão. Essa seria uma maneira que Macedo encontrou para se diferenciar dos demais, entende Bandeira.

Análise discursiva e corporal dos líderes neopentecostais

Conferência Multidão

Analisando: Bispo Edir Macedo
Analisando: Bispo Edir Macedo

Analisando: Bispo Edir Macedo

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Analisando: Pastor Silas Malafaia

Analisando: Pastor Silas Malafaia

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Analisando: Missionário R. R. Soares

Analisando: Missionário R. R. Soares

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Analisando: Apóstolo Valdemiro Santiago

Analisando: Apóstolo Valdemiro Santiago

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Com seus programas religiosos, essas lideranças procuram atrair a atenção de telefiéis e disputar espaço no campo midiático, chegando a trocar ofensas entre si. Um caso emblemático é o da reportagem de 2012 do Domingo Espetacular, programa dominical da Record TV, sobre supostas acusações de desvio de dinheiro de Valdemiro Santiago. Na época, a emissora controlada por Edir Macedo dedicou 25 minutos da sua programação para denunciar como o apóstolo Santiago utilizava as doações dos fiéis da Mundial em benefício próprio.

 

Bandeira se refere a esse fenômeno como uma espécie de “armagedom midiático”. Ele aponta que é no campo midiático que as batalhas desses religiosos são travadas. “É a forma como eles brigam entre si, numa linguagem assumidamente de guerra”, define o pesquisador na sua tese de doutorado Valdemiro Santiago parte para o abraço: estratégias midiáticas e internacionais envolvidas na Mundial Igreja do Poder de Deus. “Faz parte de cada uma delas possuir um inimigo em potencial”, referindo-se no texto às igrejas neopentecostais.

 

A disputa também se dá na conquista de fiéis de diferentes públicos. Bandeira indica que há uma “estratificação social” entre os membros das grandes denominações neopentecostais. De acordo com o que ele observou em seus estudos, a Universal concentra mais evangélicos das classes A e B, enquanto a Internacional da Graça de Deus, de R. R. Soares, tem mais afinidade com as classes média e média baixa. Já a Mundial, de Valdemiro, abraçou as classes mais baixas, ou os “paupérrimos”,  como define o pesquisador.

 

Essa rivalidade chega a adentrar inclusive os megatemplos religiosos, característicos das igrejas neopentecostais. A Universal, por exemplo, investiu R$ 680 milhões (ou R$ 1,069 bilhão, em valores corrigidos pela inflação) na construção da sua sede, o Templo de Salomão - inspirado no templo de mesmo nome citado na Bíblia. Inaugurado em 2014 na região do Brás, centro de São Paulo, a obra faraônica logo foi seguida pelo anúncio do Templo da Graça, nova sede da Igreja Internacional da Graça de Deus. A construção iniciou em 2015, na Avenida Cruzeiro do Sul, Zona Norte de São Paulo, onde antes estava instalada a Tenda da Graça.

O Templo de Salomão

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O Templo de Salomão possui espaço para 10 mil pessoas sentadas. Apenas em 2014, quando foi inaugurado, o megatemplo atraiu mais de 2 milhões de visitantes.

A área total do Templo de Salomão é de 100 mil metros quadrados, quatro vezes maior que a Basílica de Nossa Senhora de Aparecida.

O doutor em Comunicação Alexandre Bandeira destaca o potencial turístico do megatemplo, que se tornou um centro simbólico de peregrinação para fiéis de várias religiões.

Foto: Divulgação da Igreja Universal do Reino de Deus/Reprodução

Internet e redes sociais

A Comunidade Cristã Paz e Vida é dona da Rádio Feliz FM desde 2014. A emissora foi a principal estratégia da igreja para conquistar fiéis, mas agora ela está buscando inovar. A pastora Bianca Pagliarin incentiva a mudança e trabalha com os líderes da igreja para ajudá-los a entrar nas redes sociais. Ela assume que a Rádio já não possui tanto alcance e seria necessário que as igrejas entrassem na internet. “[O rádio] já foi um meio que trouxe pessoas para a igreja,  mas não é mais”, afirma.

 

Tiago Plana, ex-pastor da Bola de Neve, encontrou na internet e no humor uma maneira de falar de Deus. Ele está presente em várias redes sociais e criou um canal no YouTube para explorar a Irmã Creydy, personagem criada e interpretada por ele inspirada nas “irmãs do coque”, fiéis geralmente idosas que prendem o cabelo em coque. Elas são figuras comuns em igrejas pentecostais.

Os conteúdos postados no canal da Irmã Creydy são paródias do cotidiano da vida do fiel de igrejas como a Bola. A personagem ficou famosa ao ponto de hoje já ter suas próprias redes sociais e não atrair apenas fiéis. “A primeira vez que eu percebi que poderia atingir um público diferente, foi quando um cara me convidou para fazer um show de humor em uma pizzaria (...) Eu entrei como Irmã Creydy em lugares que eu jamais entraria como pastor”, conta Plana.

 

Enquanto Tiago Plana é um membro da igreja que se tornou influenciador, há quem siga o caminho inverso. Priscilla Alcantara, apresentadora revelada pelo SBT e cantora, é membro da Bola de Neve e sua popularidade ajuda a atrair fiéis para a denominação. Vitória Marinho, 21, passou a frequentar a Bola justamente por causa da influenciadora. “Eu sou muito fã e ano passado ela fez um show na igreja principal”.

 

As redes sociais também revelam iniciativas menores ou dissidentes. O pastor João Paulo Berlofa já passou por todas as frentes evangélicas, mas possuía algumas divergências e resolveu montar sua própria igreja. Hoje ele é líder da Igreja da Garagem, que prega o evangelho, mas adota um posicionamento progressista e rompe com tradições. “Não é um ambiente de culto e de liturgia religiosa, é um ambiente de transformação social”, conta.

 

Para a jornalista Magali Cunha, a popularização da internet entre grupos evangélicos favorece iniciativas independentes, descoladas das grandes denominações. Ela avalia que essa democratização pelo espaço online ocorre porque as igrejas menores não têm patrimônio suficiente para manter estações de rádio e emissoras de TV, nem a articulação política necessária para conseguir concessões junto a governos.

 

A Garagem não possui templos, as reuniões acontecem em qualquer lugar em que as pessoas possam ficar juntas. As redes sociais, nesse caso, vão além da atração de novos membros: elas cumprem o papel de expor os valores da igreja e viabilizam discussões.

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O rádio já foi

um meio que trouxe pessoas para a igreja, 

mas não é mais.

- Bianca Pagliarin 

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